sábado, 14 de março de 2009

Se nunca ouviu falar de transfobia... leia este artigo



Três anos depois da morte de Gisberta, Bruno Horta pergunta como é ser transexual em Portugal.

“Não importa que aceitem ou não a minha transexualidade, eu sempre fui mulher, sempre me senti assim, nunca consegui sentir que fazia parte de um mundo masculino. Sou e serei, até ao fim dos meus dias, uma mulher”. Assim escrevia em 2004 Eduarda Santos, 50 anos, transexual e autora do blogue Transfofa – das poucas pessoas em Portugal que dão a cara para falar sobre este assunto.
Três anos depois do brutal homicídio da transexual Gisberta por um grupo de adolescentes, no Porto, a Time Out encontrou-se com Eduarda Santos em Almada, onde nasceu e vive. E quis saber como é a vida de uma transexual hoje no nosso país.
Esclareça-se que Eduarda Santos não é travesti, não faz espectáculos de transformismo, não usa roupas femininas por fantasia (cross-dressing). É uma mulher comum, apesar de ter nascido homem. Tem uma filha de 26 anos, com quem vive. Foi casada, trabalhou como ajudante de despachante numa alfândega do Terreiro Paço e como segurança numa empresa de Almada. Ficou desempregada por duas vezes, mas aproveitou para fazer dois cursos de informática que hoje lhe possibilitam mexer-se com destreza na internet e nos blogues.
Tinha 43 anos e a filha já criada quando decidiu iniciar a mudança de sexo. “Jurei que quando voltasse a trabalhar já não seria o Eduardo, mas a Eduarda”, conta. Hoje é a Eduarda, mas não voltou a encontrar trabalho. Esse é o principal drama dos transexuais.
A mudança de sexo em Portugal é um processo “longo, chato, caro e por vezes humilhante”, diz. Tem pelo menos quatro fases.
Primeira: avaliação por psiquiatras e psicólogos, apenas nos Hospitais da Universidade de Coimbra, no Júlio de Matos e em Santa Maria – processo que pode durar mais de um ano e durante o qual, acusa Eduarda Santos, muitas pessoas são instigadas pelos médicos a desistir.
Segunda: assunção, por um ano, do papel de género para o qual se quer mudar e início dos tratamentos hormonais.
Terceira: nova avaliação e novo relatório que, se coincidir com o primeiro, dá origem a um relatório final que é enviado à Ordem dos Médicos – que, em princípio, é obrigada a autorizar a cirurgia de mudança de sexo. “Depende do grau de transfobia do bastonário”, critica Eduarda. Por fim, feita a operação, é preciso pedir autorização a um tribunal para alterar a documentação, o que demora meses ou anos. Aspecto positivo: o tratamento hormonal e a cirurgia podem ser totalmente comparticipados pelo Estado.
Eduarda está na segunda fase do processo, mas não concorda com a espera de um ano. “A sociedade portuguesa não está preparada para aceitar uma pessoa que se apresenta com um género e tem documentação de outro género. O Estado, ao fazer essa exigência e não dando protecção adequada às pessoas durante esse tempo, está a contribuir para que elas não arranjem emprego e sejam socialmente humilhadas.”
Isto sendo certo que há os que não querem fazer cirurgia, mas apenas o tratamento hormonal.
A esses, a lei portuguesa trata-os como párias e não os deixa mudar de identidade.
O quadro já é dramático, mas Eduarda Santos, faladora e convicta, acrescenta outro problema: a alegada displicência com que os transexuais são tratados por algumas associações LGBT, que ela prefere não nomear. “Basta pensar no que foi feito quando a orientação sexual passou a ser motivo de não discriminação no artigo 13. º da Constituição [em 2004]. A ideia de base era incluir a orientação sexual e a identidade de género. Mas os políticos devem ter achado que isso era de mais e negociaram: entra a orientação sexual e vocês calam-se com o resto. E as associações que se dizem LGBT aceitaram isso.”
Como mais vale uma proposta do que um protesto, Eduarda deixa a sua: “Falta em Portugal uma lei de identidade de género como a que existe em Espanha, para nos dar garantias de protecção.”
timeout.sapo.pt
terça-feira, 3 de Fevereiro de 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário